Quem já passou por uma artroplastia de quadril provavelmente ouviu as famosas orientações: não flexionar o quadril acima de 90°, não cruzar as pernas e não rodar o quadril para dentro.
Mas será que essas recomendações servem para todos os casos? 🤔
A resposta é: não. As restrições vão depender do tipo de acesso cirúrgico utilizado pelo médico.
Acesso póstero-lateral
Esse é o acesso mais tradicional e ainda um dos mais utilizados. Nele, a cápsula posterior e os rotadores curtos são manipulados, o que aumenta o risco de luxação posterior. Por isso, costumamos indicar restrições como:
- Evitar flexão acima de 90°;
- Evitar adução além da linha média (cruzar as pernas);
- Evitar rotação interna do quadril
📌 Como funciona na prática:
Durante a flexão, o fêmur rola para frente, enquanto a cabeça femoral desliza para trás, tensionando a cápsula posterior — área que foi aberta na cirurgia. Por isso, os cuidados clássicos fazem sentido nesse caso.
👉 Mas vale lembrar: o risco de luxação após artroplastia de quadril não depende apenas do tipo de acesso cirúrgico. O sucesso da cirurgia — e a real necessidade de restringir certos movimentos — envolve diversos fatores, como:
- Tamanho e posicionamento adequado dos componentes protéticos (cabeça femoral e acetábulo, nas artroplastias totais);
- Qualidade da cápsula articular e dos tecidos moles, incluindo cicatrização e integridade ligamentar;
- Preservação ou perda de massa muscular, especialmente dos músculos estabilizadores do quadril;
- Estabilidade global do quadril, considerando a biomecânica individual de cada paciente.
💡 Por isso, para nós fisioterapeutas, é essencial manter comunicação direta com a equipe médica. Só assim conseguimos alinhar orientações individualizadas e seguras, respeitando as particularidades de cada cirurgia e paciente.
Acesso anterolateral
Aqui, a cápsula posterior é preservada, e o risco maior é de luxação anterior. Nesse caso, os cuidados são diferentes:
- Evitar extensão excessiva;
- Evitar rotação externa
Ou seja, aquelas restrições clássicas (flexão >90°, adução e rotação interna) não se aplicam nesse tipo de acesso.
Acesso lateral (latero-lateral)
Nesse acesso, o risco de luxação também é baixo. Porém, há outro ponto de atenção:
- Durante a cirurgia, os músculos abdutores (glúteo médio e mínimo) podem ser manipulados, afetando temporariamente a estabilidade do quadril durante a marcha;
- Por isso, é comum recomendar descarga parcial de peso nas primeiras semanas, com auxílio de andador ou muletas;
- Esse cuidado reduz o tensionamento da cápsula lateral e dá tempo para a cicatrização muscular adequada.
Por quanto tempo?
Se houver restrições, geralmente duram cerca de 6 semanas, período de cicatrização inicial.
Mesmo nesse tempo, a literatura indica que movimentos dentro de limites seguros não aumentam o risco de luxação.
Um ponto em comum para todos os acessos
Independentemente da via cirúrgica, a deambulação precoce e segura é um dos pilares da reabilitação:
- Diminui complicações como trombose e perda funcional;
- Acelera o retorno da independência;
- Favorece a ativação muscular e melhora o condicionamento cardiorrespiratório.
👉 O uso de dispositivos auxiliares (andador, muletas, bengala) deve ser entendido não como limitação, mas como estratégia temporária para permitir movimento com segurança até que o quadril esteja estável.
Conclusão
- Póstero-lateral: restrições podem ser recomendadas nas primeiras semanas.
- Anterolateral: cuidado só com extensão e rotação externa, sem limitar flexão ou adução.
- Lateral: restrições geralmente mínimas, foco na força e estabilidade.
💡 Pesquisa baseada em evidências:
Este estudo foi elaborado a partir de uma revisão atualizada da literatura científica, realizada em parceria com o OpenEvidence. A bibliografia no fim desta postagem.
Após artroplastia total de quadril, recomendações tradicionais de restrição de movimentos incluem evitar flexão do quadril acima de 90°, adução além da linha média e rotação interna, especialmente nas primeiras semanas após a cirurgia. Essas orientações visam reduzir o risco de luxação protética, principalmente quando se utiliza o acesso póstero-lateral, pois esse acesso está associado a maior risco de luxação posterior devido à violação da cápsula e dos músculos rotadores curtos [1–4].
No entanto, revisões sistemáticas e ensaios clínicos recentes indicam que a imposição rotineira dessas precauções não reduz significativamente a taxa de luxação após artroplastia de quadril por acesso póstero-lateral, quando comparada à reabilitação sem restrições formais de movimento [1–4].
Além disso, a retirada das precauções facilita o retorno às atividades diárias e melhora a experiência funcional dos pacientes [1,4].
Quanto à variação conforme o tipo de acesso cirúrgico, o risco de luxação é menor nos acessos latero-lateral e antero-lateral, pois preservam estruturas estabilizadoras posteriores. Estudos com hemiartroplastia e artroplastia total por acesso antero-lateral ou lateral mostram que a ausência de precauções não aumenta o risco de luxação e pode até reduzir complicações e custos, além de acelerar a reabilitação [5,6].
Portanto, as orientações para restrição de movimentos são mais relevantes para o acesso póstero-lateral, sendo desnecessárias ou menos rigorosas para os acessos laterais e antero-laterais [5,6].
Em relação ao tempo de manutenção das precauções, quando recomendadas, geralmente são prescritas por 6 semanas, período estimado para cicatrização inicial da cápsula ligamentar e tecidos moles [1].
Contudo, a literatura atual sugere que, mesmo nesse período, a restrição pode ser dispensada sem aumento do risco de luxação [1–4]. Não há evidência que justifique a manutenção permanente dessas restrições após a cicatrização inicial.
Em resumo:
- As recomendações de restrição de posicionamentos e movimentos após artroplastia de quadril variam conforme o acesso cirúrgico, sendo mais indicadas para o acesso póstero-lateral e geralmente limitadas ao período inicial de cicatrização (~6 semanas).
- Para acessos laterais e antero-laterais, as precauções são desnecessárias.
- A tendência atual, baseada em evidências é de flexibilização das restrições, priorizando estratégias de prevenção de quedas e reabilitação funcional, individualizado cada caso[1–6].
Experiência prática e formação em Trauma e Ortopedia
💡 Esta postagem reúne a experiência adquirida durante minha participação no programa de Residência em Trauma e Ortopedia da Escola de Saúde Pública do Ceará, um programa de dois anos, no qual acompanho o programa de reabilitação da linha de fêmur no Hospital HRSC, atuando no pré e pós-operatório e no acompanhamento dos procedimentos cirúrgicos.
Além disso, complementam essa vivência cursos especializados, como o de Artroplastia do Quadril, ministrado pelo Dr. Amir Curcio, do Fisio Academy.
Essa combinação de prática clínica e formação contínua baseada em evidências permite oferecer uma abordagem fundamentada e atualizada no cuidado de pacientes submetidos à artroplastia de quadril, de forma atemporal, funcionando tanto para quem lê hoje quanto para quem acessar esta postagem no futuro.
Atenciosamente,
Jânio César, fisioterapeuta, CREFITO 426473-CE
Referências
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Tetreault MW, Akram F, Li J, et al. Are Postoperative Hip Precautions Necessary After Primary Total Hip Arthroplasty Using a Posterior Approach? J Arthroplasty. 2020;35(6S):S246-S251.
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Crompton J, Osagie-Clouard L, Patel A. Do Hip Precautions After Posterior-Approach Total Hip Arthroplasty Affect Dislocation Rates? Acta Orthop. 2020;91(6):687-692.
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Reimert J, Lockwood KJ, Hau R, Taylor NF. Are Hip Movement Precautions Effective in Preventing Prosthesis Dislocation Post Hip Arthroplasty? Disabil Rehabil. 2022;44(12):2560-2566.
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Korfitsen CB, Mikkelsen LR, Mikkelsen ML, et al. Hip Precautions After Posterior-Approach Total Hip Arthroplasty Do Not Influence Early Recovery. Acta Orthop. 2023;94:141-151.
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Ammori MB, Soogumbur A, Sykes D, et al. Replacing Hip Precautions After Hemiarthroplasty With a Pose Avoidance Protocol. Injury. 2024;55(3):111340.
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Jobory A, Rolfson O, Åkesson KE, et al. Hip Precautions Not Meaningful After Hemiarthroplasty Due to Hip Fracture. Injury. 2019;50(7):1318-1323.




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